Tuítes, fotos, vídeos, checagem em tempo real e até dossiês próprios: o trabalho de perfis no Twitter pode ter começado como oposição ao presidente Jair Bolsonaro, mas desembocou na CPI da Covid. Da coxia da investigação sobre as ações do governo frente à pandemia, esses perfis ganharam certo protagonismo nas redes sociais e passaram a interagir com os senadores e a aproximar o público do palco em que se transformou o Senado Federal.
A oposição passou a se apropriar de estratégias já utilizadas por bolsonaristas, mas para deteriorar o governo nas redes sociais, que atraíram holofotes desde as eleições de 2018. Episódios nas redes ganham destaque quando levados à comissão. Em comum, preferem manter o anonimato em meio ao trabalho de reunir materiais que ajudam a alimentar os roteiros dos senadores.
A guinada do perfil JaIrme’s Vaccine Race All-Stars (@jairmearrependi), que surgiu na época das eleições e já angaria 230,5 mil seguidores, veio com o depoimento do ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) Fabio Wajngarten à CPI da Covid. O publicitário caiu em contradição ao falar da campanha “O Brasil não pode parar”, encabeçada pela pasta, e foi ameaçado de prisão.
À senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ele afirmou não saber se a peça publicitária havia sido elaborada pela Secom, porque estava internado com Covid-19. Todavia, em live com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em 12 de março do ano passado, ela havia declarado que trabalhava normalmente. A peça, que destoava das recomendações para medidas restritivas contra a Covid-19, teve as postagens apagadas diante da repercussão negativa. Depois, a Secom ainda negou a existência dela.
Na madrugada do dia, eu estava assistindo aos vídeos do Wajngarten para ver o que tinha para tirar (de material para usar no perfil). O último vídeo que eu vi foi dele dizendo que estava em casa, trabalhando bem, aprovando campanha. Eu soltei o vídeo no Twitter e viralizou, porque todo mundo saiu marcando os senadores — afirma JaIrme, cujo nome do perfil brinca com o do reality show RuPaul’s Drag Race, e reforça: — Se a gente não tivesse insistido nessa tecla, muito provavelmente teria passado batido.
Informações como essa são catalogadas desde 2019 não só no Twitter, mas também em arquivos pessoais e em bancos de dados digitais. Nessa perspectiva, a CPI seria uma oportunidade para voltar à tona as ações do governo no enfrentamento à pandemia, como a defesa ao tratamento precoce, com medicamentos ineficazes contra a Covid-19, e os atrasos nas compras de vacinas.
A gente tá numa CPI que o maior problema que a gente tem é a abundância de prova. O risco que a gente tem é de ter provas demais e não caber no escopo da CPI — avalia o criador do Tesoureiros do Jair (@tesoureiros), que supera 126 mil seguidores no Twitter — Eu considero que, na pior das hipóteses, só o levantamento dessas informações já está gerando gerar desgaste político. Pelo menos nas redes sociais, o debate era muito comum ser pautado pelos absurdos que Jair Bolsonaro falava. Hoje em dia, as falas são mais pautadas pelas denúncias contra o governo — finalizou.
Para a pessoa por trás do @jairmearrependi, o debate provocado nas redes se alia ao discurso das ruas, a exemplo das manifestações contra o governo e a favor da democracia realizadas em 29 de maio e em 19 de junho:
A rua e as redes se complementam, até porque a disputa que a gente tem atualmente não é da rua. É uma disputa de narrativas. Até o início da CPI, os bolsonaristas dominavam o Twitter. Eles pautavam o assunto do dia e a esquerda só combatia. No fim das contas, pela primeira vez em muito tempo, a internet de quem pauta política
Para Tesoureiros, há uma inversão de pauta nas redes sociais:
Na pior das hipóteses, só o levantamento dessas informações já está gerando gerar desgaste político. Pelo menos nas redes sociais, o debate era muito comum ser pautado pelos absurdos que Jair Bolsonaro falava. Hoje em dia, as falas são mais pautadas pelas denúncias contra o governo.
União de forças
Os perfis construíram o que pode ser chamado de um grupo de trabalho e chegam até a trocar materiais. Com linguagem clara, conseguem atrair diferentes públicos e aproximá-los do que acontece na comissão.
Uma das necessidades que a gente percebeu também é que o público precisava se sentir dentro da CPI, porque a pandemia já estava dentro das casas — conta um dos integrantes do Desmentindo Bolsonaro (@desmentindobozo), com 210 mil seguidores.
O trabalho desenvolvido pela dupla, formada por profissionais da comunicação e da informática, inclui sequências de tuítes — o chamado fio, como o termo original “thread”, em inglês, é traduzido — que explicam quem são os depoentes de cada dia e checagem de informações ditas durante a comissão. Ambos se dividem em turnos durante cada oitivas, além de organizar conteúdo previamente.
Entre pesquisas e edição de vídeo, a gente passa em torno de 4 a 5 horas por dia (para publicar um vídeo), porque a gente faz uma checagem de informações — complementa.
Perfil mais recente do grupo, o Camarote da CPI (@camarotedacpi) é formado por uma pequena equipe de jornalistas, advogados, cientistas e professores de diversos estados e alinhamentos políticos, contam.
De abril, quando foi criado, até agora, já são 78,4 mil seguidores no Twitter. Além de acompanhar os depoimentos, a curadoria de notícias e a depuração de artigos científicos — sobretudo acerca do tratamento precoce e das vacinas — fazem parte da rotina, planejada num grupo do Telegram. O que nós percebemos foram duas situações. A primeira, o fato de haver a colaboração de contas anônimas na internet com os senadores. O fato de os senadores interagirem tanto com o Tesoureiros do Jair, Jair me Arrependi, Bolso Regrets… e, mais tarde, também com o Camarote da CPI, atraíram grande público. Outro fenômeno é a linguagem: nós usamos linguagem muito acessível, então nós conseguimos diferentes públicos. Nós tempos seguidores muito jovens, adolescentes, no início da idade adulta, mas também os mais velhos.
Mais Notícias em… https://extra.globo.com/noticias/brasil/nos-bastidores-da-cpi-da-covid-perfis-de-oposicao-ganham-espaco-na-internet-ao-ajudar-senadores-em-depoimentos-25087590.html