BRASÍLIA. Com quatro horas de debate com autoridades, economistas e representante dos servidores, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob o comando do relator Plínio Valério (PSDB-AM), realizou hoje uma audiência pública para manifestação a favor e contra a PEC 65, que prevê a autonomia orçamentária do Banco Central e a mudança de regime , transformando a autarquia em uma empresa pública. No debate foram esclarecidas dúvidas sobre o relatório já apresentado por Plínio, e agora a intenção é ler o substitutivo já amanhã , para que, após o previsto pedido de vista coletivo, na sessão da semana que vem a matéria possa ser votada na comissão.
Para que o BC tenha recursos próprios para investir em novas ferramentas de modernização de serviços, e promova uma recomposição salarial para trazer de volta técnicos que saíram em busca de maior valorização, a PEC prevê que o banco passará de autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, e vira empresa pública “com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira”.
_ A ideia da audiência pública era para ouvir a dos especialistas e as preocupações de representantes dos servidores. E, se forem acatadas mudanças, sugestões, e, certamente, serão, a gente apresenta o relatório já amanhã. Os nossos consultores , Waldery, o Brito, a Vânia, também acompanharam a audiência. Vamos poder aproveitar todos os depoimentos. Esta audiência está servindo para que nós possamos ouvir o que for possível ouvir, adaptar ou não, mudar ou não. Há uma convicção do relator de que é preciso ampliar essa autonomia. Essa convicção eu tenho, como autor da lei que deu a autonomia para o Senado; agora, de que forma ou como vai ser, eu não sou dono disso. O Senado é ideal para esse debate plural _ observou o relator Plínio Valério.
PLÍNIO DISSE, ENTRETANTO, QUE TEM UMA CONVICÇÃO: É PRECISO APROFUNDAR A AUTONOMIA JÁ CONFERIDA AO BANCO CENTRAL COM SUA LEI QUE GARANTIU A INDEPENDÊNCIA OPERACIONAL E IMPEDIU A INGERÊNCIA POLÍTICA EM SUA DIREÇÃO PELO GOVERNO LULA
O primeiro a expor sua defesa á ampliação da autonomia do BC, foi o ex-presidente do banco Henrique Meirelles . Para ele, o modelo de empresa pública “permite flexibilidade e capacidade de mobilização de recursos”.
— A autonomia financeira e orçamentária é necessária por um simples motivo: o Brasil não pode ficar dependente do compromisso informal de cada presidente eleito com a autonomia do BC. É fundamental ter a garantia de perenidade dessa autonomia. Sem previsibilidade, os riscos se ampliam e fica mais difícil controlar a inflação — afirmou Meirelles.
Na mesma linha outro convidado de Plínio, o economista Marcos Lisboa, ex-presidente do Insper, frisou que o texto consensuado no relatório evita “o constrangimento dos recursos” para fortalecimento, por exemplo, do PIX.
— Já era para a gente ter o PIX automático, que está atrasado há dois anos. A arquitetura tecnológica do BC fica prejudicada com a falta de autonomia de recursos. Isso fragiliza o sistema e coloca em risco os meios de pagamento que cuidam da vida das pessoas. A fragilização que o BC tem sofrido, já há alguns anos, dificulta avançar nessa agenda — defendeu Lisboa.
— Se não há autonomia financeira e orçamentária, a política monetária evidentemente pode ser constrangida. Pode sofrer um garrote, um fechamento pela falta de oxigênio orçamentário e financeiro. É uma proteção adicional importante para a autonomia [do BC]. Na grande maioria dos países de economias importantes, os bancos centrais têm essa autonomia — completou ex-presidente do BC Gustavo Loyola, também convidado por Plínio.
Pelo lado dos que discordam da mudança, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior politizou a discussão técnica ,criticou a PEC e opinou que a proposta tem omissões.
— Autonomia em relação a quem? Apenas em relação ao poder político eleito. Não há autonomia em relação aos interesses financeiros. Existe no Brasil a captura do BC por interesses privados: os financistas que vão para o comando do BC em geral saem do sistema financeiro e a ele retornam. Se o integrante da diretoria do BC diverge muito dos interesses privados, corre o risco de, na sequência, não ter uma carreira confortável — criticou Nogueira Batista.
No time dos contrários, o economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, reconheceu que o BC precisa ter recursos “para manter um quadro bem remunerado e competente”. Mas afirmou que a PEC 65/2023 toca “em assuntos difíceis, questionáveis e potencialmente problemáticos”.
— Não é um avanço institucional, é um profundo regresso. É uma volta à ideia de que as atribuições do BC devem ser executadas por um banco público-privado, como o Banco do Brasil. Um regresso de mais de 70 anos. A retirada do BC da Lei das Diretrizes Orçamentárias é um exemplo perfeito das distorções e da falta de transparência e de rigidez orçamentária que levaram ao colapso do Brasil pré-Real — justificou Lara Resende.
O crítico mais enfático da PEC 65 foi o diretor jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edison Vitor Cardoni manifestou temor com a insegurança jurídica que a mudança irá provocar principalmente para os servidores. Para ele a proposta expõe uma “disputa encarniçada por fatias do orçamento” .
— Ao transformar o BC em uma empresa de direito privado, a PEC 65/2023 pega uma autarquia que superou situações de estresse muito grande e lança no meio da crise para disputar o orçamento. Isso provoca uma insegurança jurídica extraordinária, uma complexidade jurídica, contábil, financeira e monetária — criticou Cardoni.
Respondendo aos questionamentos durante o debate, o autor da PEC 65, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), mostrou a necessidade de o BC ter sua autonomia financeira.
— A autonomia orçamentária e financeira vem para que o BC não fique nessa dependência do Orçamento atrelado à União. Quando se tem contingenciamento [bloqueio de recursos], isso pega também o BC. Em tempos passados, o BC ficou sem pagar conta de energia por dez meses por falta de recursos — argumentou Vanderlan.
O senador Sergio Moro (União-PR) disse que a autonomia protege a autoridade monetária do “populismo dos governantes da América Latina”. Nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, “não demonstra nenhuma capacidade de autonomia”, “tem lado político” e “trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o país”.