Secretário de Saúde diz em dossiê que auditores exonerados nunca exerceram ‘papel de controle’ dos contratos de Covid

A polêmica em torno da exoneração de quatro auditores financeiros, no último dia 30, que estavam nomeados na Subsecretaria de Controladoria Geral da Secretaria de Saúde (SUBCG), chegou aos órgãos de fiscalização. Cópias de um dossiê sobre a atuação dos auditores foram entregues pelo secretário de Saúde do Estado (SES), o médico Carlos Alberto Chaves, ao Ministério Público estadual, à Defensoria Pública e ao deputado Renan Ferreirinha (PSB) — relator da comissão que investiga os gastos da pasta durante a pandemia da Covid-19. O dossiê denuncia de que a subsecretaria “nunca exerceu seu papel de controle interno”.

O documento cita ainda que, apesar de os auditores terem ficado quase cinco meses na subsecretaria, 16 dos 18 relatórios sobre os processos relacionados à Covid, não foram concluídos. A secretaria confirmou ao GLOBO que “comissões formadas para análise dos contratos feitos durante a pandemia de Covid-19 não terminaram seus relatórios”.

Há ainda muito a ser elucidado no caso dosa auditores exonerados da Secretaria estadual de Saúde

Renan Ferreirinha defende que os servidores exonerados prestem depoimento à Comissão de Saúde da Alerj:

Há ainda muito a ser elucidado no caso dos auditores exonerados da Secretaria estadual de Saúde. Após oficiarmos pedindo explicações, o novo secretário nos respondeu com um documento robusto. As denúncias de corrupção na Secretaria começaram um mês antes da chegada desse grupo na Secretaria. Portanto, segundo o secretário Chaves, o grupo não teve participação nessas investigações, como vinha sendo dito. E alguns desses servidores chegaram à SES na gestão do réu confesso Edmar Santos. No documento que recebi, o secretário afirma que um destes servidores abriu 18 relatórios sobre irregularidades cometidas durante a pandemia e nenhum foi concluído — afirma o deputado.

Grupo criado após escândalo

O grupo foi criado para análise dos contratos das Organizações Sociais (OSs), logo depois do escândalo de fraudes na pasta, na gestão do então secretário de Saúde Edmar Santos, investigado por improbidade administrativa. Edmar firmou um acordo de delação premiada, após ter sido preso acusado de irregularidades na pasta.

Desmonte de auditoria

O dossiê aponta ainda que, de maio até setembro, período de permanência dos auditores exonerados, ocorreu o desmonte em outro órgão de fiscalização: a Auditoria SUS. O setor da Secretaria estadual de Saúde é encarregado por lei de fiscalizar todos os contratos e a relação com as organizações sociais e as empresas fornecedoras.

Segundo o dossiê, o ex-subsecretário Leonardo da Silva Morais — exonerado no dia 4 de setembro, a pedido, antes dos quatro colegas —, tirou quatro dos seis auditores financeiros de carreira que trabalhavam na Auditoria SUS. A retirada desses profissionais foi denunciada pelo Conselho Estadual de Saúde, órgão colegiado, deliberativo e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outra denúncia do dossiê é que Morais também atuou para tirar a Auditoria SUS do Sistema Nacional de Auditoria (SNA), do Ministério da Saúde, para assumir essas funções, em ato que está sendo questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério da Saúde. O fato teria ocorrido justamente no momento em que as OSs estavam sendo investigadas pelos MPF e o Ministério Público estadual pelas graves irregularidades que desencadearam nas operações Mercadores do Caos, Favorito (que culminou com a prisão do empresário Mário Peixoto pela Polícia Federal) e Placebo (quando houve o cumprimento de mandados de busca e apreensão na residência oficial do governador afastado Wilson Witzel, no Palácio Laranjeiras).

O dossiê conclui que “haveria interesse do sr. Leonardo da Silva Morais, em que a Secretaria de Estado de Saúde permanecesse na irregularidade das condutas”.

Exoneração de grupo pedida por secretário

A exoneração do grupo de auditores na semana passsada foi um pedido do novo secretário de Saúde ao governador em exercício Cláudio Castro. Seu antecessor, o médico Alex Bousquet, já teria tentado fazer o mesmo, mas sem sucesso. Desde que assumiu a pasta, Chaves anunciou que iria concentrar os contratos de gestão na Fundação Estadual de Saúde, acabando com a contratação de OSs até o fim da administração atual. O secretário vem seguindo os passos do antecessor. Bousquet, que já trabalhou em uma OS, foi exonerado, a pedido.

Além de Leonardo da Silva Morais, os auditores exonerados foram: Thiago Couto Lages, Eduardo Waga, André Asth e Robson de Oliveira. Waga ocupava o cargo de ouvidor geral, portanto, exercia a função de auditor. Outra pessoa que integrava o grupo, segundo o dossiê, era Luciano Batista Vilhete, que não era auditor de carrreira. Ele tinha o cargo de ajudante II, sem a cessão da Corregedoria Geral do Estado, e estava no setor de Auditoria, com login e acesso às pastas, conforme a denúncia do secretário.

Nomeação recebeu críticas

Uma outra medida que Chaves tomou, e que Bousquet também não havia conseguido concretizar, foi nomear a médica pediatra Márcia Regina da Silva de Mesquita para o cargo de subsecretária, no lugar de Morais. A nomeação provocou críticas da Corregedoria Geral do Estado (CGE). Uma nota técnica assinada por três auditores, datada do dia 31 de agosto, aponta que “Márcia Regina da Silva Mesquita não possui formação jurídica, tampouco apresentou conhecimentos técnicos e específicos na área correcional, tais como prática em Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) e Processo Administrativo Disciplinar (PAD)”. Por causa disso, a CGE não recomendou que Márcia ocupasse a vaga.

Indagada pelo EXTRA sobre a suposta falta de qualificação de Márcia, a assessoria da Secretaria de Saúde informou que o Decreto 46.873/2019 não exige que o subsecretário seja advogado. De fato, o artigo 3º do decreto, traz como critérios para o cargo, quando o candidato à vaga não for da carreira de auditor do estado, que seja servidor público efetivo ou, no caso de empresas estatais, empregados de carreira. Também exige que tenha nível superior com comprovação de experiência por três anos de auditoria. Pela lei, a formação obrigatória em Direito é para o posto de corregedor.

A assessoria da pasta explicou ainda que a médica “tem todas as qualificações exigidas em lei para assumir o cargo de subsecretária de Controle Interno da SES”. Segundo a pasta, ela é servidora pública desde 1990 e exerce funções na Auditoria SUS há cinco anos, além de ser especializada em auditoria, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas e mestrado pela Fiocruz. Ela exerceu vários cargos na própria secretaria.

Márcia já foi superintendente da central de regulação do estado, assessora-chefe de gabinete e ocupava o cargo de chefe da auditoria desde o ano passado. Foi da sua seção que Morais tirou os auditores, o que acirrou os ânimos entre os dois. A seus pares, ela anunciou que montará uma comissão permanente de sindicância interna, substituirá auditores financeiros por outros servidores públicos e publicará uma portaria para a cobrança dos procedimentos no controle interno. No entanto, a mais ousada das propostas é a auditagem de 24 tomadas de contas das OSs, onde foram verificadas irregularidades.

Mais de 40 exonerados na Saúde

A nota da assessoria esclareceu também que o ex-subsecretário Leonardo da Silva Morais é contador e não é profissional do Direito. No entanto, por ser auditor concursado, tal exigência não seria necessária. A secretaria esclareceu ainda que: “desde que o ex-secretário Edmar foi acusado de corrupção em investigação do Ministério Público, mais de 40 profissionais ligados à gestão dele foram exonerados da Secretaria de Estado de Saúde”.

Auditores eram concursados

Os cinco auditores exonerados da Subsecretaria de Controladoria Geral da Saúde eram concursados e vieram da Controladoria Geral do Estado (CGE).

De acordo com o Diário Oficial do estado de 14 de maio, o analista de controle interno Leonardo da Silva Morais foi nomeado, dois dias antes, ao cargo de subsecretário de Controle da Controladoria Geral pelo governador afastado Wilson Witzel. Na época, era Edmar Santos quem estava à frente da secretaria. Morais teria sido indicado pelo ex-controlador-geral do Estado Hormindo Bicudo, também já exonerado do cargo.

Denúncias partiram da imprensa

Embora tenham sido atribuídas a Morais e à sua equipe a divulgação das denúncias de corrupção na Saúde, na verdade, elas se tornaram públicas muito antes da chegada deles. Foi a própria imprensa, como consta nas investigações dos Ministérios Públicos estadual e federal, que publicou os escândalos da pasta.

Três auditores exonerados na semana passada foram levados por Morais para a subsecretaria no dia 25 de maio, segundo publicação em DO do dia seguinte. Mas a primeira prisão pelas fraudes na pasta, a do subsecretário Gabriell Neves, réu do processo da Mercadores do Caos, ocorreu dias antes de o grupo ser nomeado, em 7 de maio. A operação investigou a compra superfaturada de respiradores.

Procurado, o ex-subsecretário Leonardo Morais ressaltou, por mensagem de texto, sua carreira como “auditor de carreira da Controladoria Geral do Estado”, num concurso de 2012. Ele confirmou que foi convidado para exercer o cargo após os escândalos:

Fui convocado para ajudar no controle da Secretaria de Saúde, depois das primeiras prisões. Tomando posse no dia 14 de maio. O ex-secretário Edmar Santos saiu no dia 17 de maio, um domingo, logo, trabalhei com ele um único dia. Eu o vi uma única vez, somente para me apresentar. Portanto, não posso ser acusado por não ter tomado providências no período que estive com ele. Fiquei na secretaria até o dia 4 de setembro, cerca de 100 dias. Tendo atuado no Controle dos secretários Ferry (Fernando) e Bousquet (Alex) — explicou Morais.

Morais disse que atuou com a sua equipe numa série de frentes, negando que teria deixado de atuar em processos contra OSs:

Da minha parte, a mais relevante foi a abertura do PAR (Procedimentos Administrativos de Responsabilização) do Iabas (hospital de campanha) cujo contrato inicial era superior a R$ 800 milhões, além de outros como a compra de respiradores. Poderia destacar também a cobrança das OSs no cumprimento e pagamento efetivo de sanções por descumprimento contratuais, algo que nunca havia ocorrido na secretaria — disse ele.

Morais disse que tentou exonerar a servidora Márcia por baixa produtividade nas auditorias, mas que foi impedido por Alex Bousquet.

Márcia, no entanto, informou que sua equipe produziu 30 auditorias de janeiro até setembro. No site da secretaria de Saúde, é possível ver que há sindicâncias com sanções da Controladoria Geral da pasta, antes do período de Morais, em 2019 e no início deste ano, assinados pela médica que o substituiu.

Na quarta-feira, uma cópia do dossiê será entregue também ao Ministério Público Federal. Chaves informou que a fiscalização será feita pelo MPF e MP do Rio.

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