RIO – Criada na década de 1990 por um médico cearense, a operadora de saúde Hapvida, acusada de pressionar médicos para que receitassem cloroquina a pacientes com sintomas similares aos da Covid-19, consolidou durante a pandemia uma trajetória de expansão que já havia se pronunciado ao menos desde 2018, quando abriu seu capital na Bolsa de Valores. A Hapvida terminou 2020 com receita líquida de R$ 8,5 bilhões, um aumento de 51% para o faturamento do ano anterior, segundo o balanço divulgado pela empresa. Em junho deste ano, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), a Hapvida chegou a 2,8 milhões de clientes de assistência médica — o balanço da empresa, que considera também os números de outras operadoras adquiridas pela Hapvida, contabiliza 3,8 milhões de clientes.
No ano em que entrou na Bolsa e em 2019, antes da pandemia, a receita líquida da Hapvida havia girado em torno de R$ 5 bilhões. A Covid-19 também levou a um incremento de custos assistenciais mas, ainda assim, a empresa registrou lucro líquido final de R$ 1,3 bilhão no ano passado. Em 2021, a lista elaborada pela revista “Forbes” com as famílias mais ricas do país passou a incluir a família Pinheiro Koren de Lima, dona da Hapvida, na quarta colocação, com um patrimônio conjunto estimado de R$ 7,5 bilhões.
O patriarca Cândido Pinheiro Koren de Lima, fundador da Hapvida e médico oncologista que abriu seu primeiro hospital em Fortaleza em 1979, entrou na lista de bilionários da Forbes em 2019. Hoje, ele preside o conselho de administração da empresa. Dois de seus filhos, Jorge Pinheiro, atual presidente da Hapvida, e Cândido Junior, que segue como membro do conselho, também figuram na lista. A Hapvida surgiu como operadora de saúde em 1993, levando em seu nome as iniciais do Hospital Antônio Prudente, o primeiro fundado por Cândido, e que hoje é um dos maiores da capital cearense. Na unidade, uma das dedicadas pela Hapvida para pacientes de Covid-19, um de seus médicos, Felipe Peixoto Nobre, denunciou pressões da empresa para receitar cloroquina, medicamento ineficaz para coronavírus, e recusa a fazer testes de detecção do vírus. O negacionismo do presidente Bolsonaro em imagens ao longo de um ano de pandemia
A denúncia de Nobre, cujos detalhes foram revelados pelo GLOBO nesta segunda-feira, consta em investigação do Ministério Público do Ceará (MP-CE) que já multou a empresa em R$ 468,3 mil neste ano. O material da investigação foi remetido à CPI da Covid, que investiga outras operadoras de saúde, como a Prevent Senior, por utilização de cloroquina em larga escala e também por omitir a Covid-19 em atestados de óbito de pacientes. Na semana passada, reportagem do “El País” revelou que um paciente da Hapvida no Hospital Teresa de Lisieux, em Salvador (BA), teve o coronavírus omitido em seu atestado de óbito. Em nota, a Hapvida admitiu que houve erro no atestado de óbito em questão, mas alegou que as autoridades sanitárias foram informadas da Covid-19 e que, portanto, a morte do paciente constaria nas estatísticas oficiais da pandemia.
Com presença mais forte nas regiões Norte e Nordeste, a Hapvida tem hoje 45 hospitais em 15 estados, e conta em sua rede com 30 mil médicos e 37 mil colaboradores, segundo o balanço mais recente. A política da operadora é pautada pela “verticalização”, isto é, por concentrar atendimentos a seus beneficiários de planos de saúde em rede hospitalar própria. Além disso, a Hapvida apostou na última década em oferecer planos mais baratos, reduzindo o chamado “ticket médio”, uma estimativa de custo por serviço. No fim de 2020, por exemplo, o ticket médio da Hapvida era de R$ 202,33 segundo o balanço da empresa. Na mesma época, a média do mercado ficava acima de R$ 400 – no caso de seguradoras, ultrapassava R$ 600.
Em entrevista à revista “Istoé” em 2016, Cândido Pinheiro elogiou programas sociais desenvolvidos nos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT) no Nordeste, além da expansão da classe C: “Isso foi importante para a Hapvida? Claro! Quando se irriga o mercado com tanto dinheiro quanto eles irrigaram, a população que está em cima recebe sua parte. E depois de encher a barriga, a segunda preocupação é saúde”, afirmou na ocasião.
Desde 2018, a Hapvida vem costurando aquisições de outras empresas de saúde, como forma também de expandir presença em outras regiões. Neste ano, a Hapvida avançou na fusão com o grupo Notre Dame Intermédica, com presença no Sul e no Sudeste, em um negócio cujo valor de mercado total foi avaliado em R$ 100 bilhões.
Antes das denúncias relacionadas à pandemia, os donos da Hapvida também expandiram sua atuação para além da área da saúde, com a aquisição de emissoras de rádio e TV em estados como Paraíba, Alagoas e Pernambuco. A operadora de saúde também chegou a estampar sua marca no uniforme do Corinthians por dois anos — o contrato chegou ao fim em agosto. Outra incursão ocorreu no meio político: em julho de 2020, no auge da pandemia, o fundador da Hapvida, Cândido Pinheiro, participou de um almoço de empresários com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. O evento foi organizado pelo então presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
Durante as eleições municipais de 2020, segundo dados da Justiça Eleitoral, Pinheiro e seus dois filhos fizeram doações às direções nacionais de PT (R$ 200 mil), PSD (R$ 200 mil) e DEM (R$ 50 mil), totalizando R$ 450 mil desembolsados. Há cerca de dois meses, o patriarca da Hapvida participou de um almoço de empresários em São Paulo com o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cotado para concorrer ao governo do Rio, como revelou o blog de Bela Megale no GLOBO. A candidatura de Santa Cruz é costurada pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab. No fim de 2019, antes da pandemia, Cândido foi indicado para receber uma medalha em homenagem das mãos do governador do Ceará, Camilo Santana (PT). A indicação partiu da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece).
Após a reportagem do GLOBO sobre pressões para prescrição de cloroquina em pacientes na pandemia, a Hapvida divulgou um comunicado em que admitiu uma “adesão relevante” ao medicamento em sua rede hospitalar, mas disse respeitar a “autonomia médica” para receitar o medicamento, e que o uso do medicamento foi reduzido com o tempo. “Nas ocasiões em que o médico acreditava que a hidroxicloroquina poderia ter eficácia, sua definição ocorria sempre durante consulta, de comum acordo entre médico e paciente, que assinava termo de consentimento específico em cada caso. Ainda assim, há meses não se observa mais a prescrição dessa medicação nas nossas unidades”, disse o comunicado.
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