Uma menina, com um laço de fita rosa gigante nos cabelos e um coelhinho de pelúcia nas mãos, fala inquieta sobre o que mais gosta na vida. Rodando para um lado e para o outro, numa cadeira giratória, ela conta que adora brincar de esconde-esconde, pega-pega. No fundo da sala, tem uma boneca de pano da Emíila sobre uma mesa. A criança, perguntada, diz que mora com a mãe, o pai e o “maninho”. O “maninho”, o estudante de medicina Marcos Vitor Dantas Aguiar Pereira, de 22 anos, tocava nela. Perguntada mais uma vez, ela relata, quase brincando, que ele tocava e beijava partes de seu corpo, “aqui (na pepeca) e aqui”, enumera, apontando para o tórax e para os órgãos genitais. A menina diz que o rapaz dava beijos no lugar que ela usa para ir ao banheiro. A cena descrita pela tia, P.C., aconteceu na Delegacia de Proteção à Criança de Teresina, no Piauí, onde uma das duas irmãs do rapaz, indiciado por abuso de vulnerável, prestou depoimento. A gravação faz parte de um vídeo que é mantido em sigilo no inquérito que investiga o estudante por abusos a quatro crianças, duas delas suas irmãs de 3 e 9 anos.
P.C., que é irmã da madrasta de Marcos Vitor, considera que o relato da vítima mais nova do estudante, a menina de 3 anos, é uma das coisas mais chocantes de toda a história de atrocidades que envolve o caso. Ela acredita que o vídeo é também um “tapa na cara” de quem acha que o ocorrido pode ser invenção da cabeça de crianças. A menina, que parece gostar do “maninho”, é questionada sobre quantas vezes ele beijou as partes do seu corpo. A criança, então, abre as mãozinhas e começa a contar, mas faltam dedinhos para explicar o tanto que os abusos se repetiram.
Não dá para ficar calada, não dá para ficar quieta, não é uma invenção delas. É muita dor — diz P.C.— Eu sei o que é isso. Eu quase perdi minha filha.
No final do curso de medicina, P.C. é mãe da adolescente de 13 anos, prima do estudante, a primeira a denunciar Marcos Vitor. Isso só aconteceu recentemente. Ela disse ter sido abusada por ele durante anos. Ao menos entre os 5 e os 10 anos de idade. Foram tantas vezes e tanto trauma, que a jovem não tem certeza, mas acredita que a primeira vez foi durante uma viagem da familia ao Uruguai.
Desde que tudo começou, a menina se calou, caiu em depressão e se automutilava com frequência. Não há, para a mãe, o que duvidar de um sofrimento que deixou inúmeras marcas no corpo, sobretudo cicatrizes de cortes nos braços. Este ano, ela tentou se matar. Depois de ter chegado ao limite, contou o que vinha passando há anos para uma prima. A prima contou para a madrasta do estudante, irmã de P.C., que contou para ela e descobru que as próprias filhas teriam sido vítimas também.
Adolescente de 13 anos, a primeira a denunciar Marcos Vitor, se automutilava com frequência
Engajada numa campanha para ver Marcos Vitor preso — ele ainda não compareceu para prestar depoimento à Polícia Civil do estado —, P.C. diz que gostava do jovem que viu crescer. Ele passou a conviver com a família aos 8 anos quando a irmã se casou com o pai dele. Aos 11, foi para o convívio da família. Foram Natais e Páscoas juntos. Viagens, fins de semana em casas de praia, almoços aos sábados na casa da matriarca. “Minha mãe fazia os pratos preferidos dele”, conta. Ela própria o levava para assistir a cirurgias, por estar no final do curso de medicina, e o apresentava orgulhosa como sobrinho. Um mundo perfeito que se dissolveu com as denúncias.
A luta com o quadro depressivo da filha nunca suscitou suspeitas. Ela guarda uma troca de mensagens que a filha mandou para uma amiga quando tentou se matar ingerindo medicamentos. Nelas, mesmo para a amiga, a adolescente não revela detalhes de seu estado de espírito. Apenas diz que ama a mãe e que a tentativa de morrer nada tinha a ver com problemas com ela. Apenas fala que “o problema de eu estar desse jeito é meu”.
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