Ao assinar anexações, Putin diz estar pronto para negociar com Kiev, mas sem abrir mão de territórios

O presidente russo Vladimir Putin assinou nesta sexta-feira os acordos para a anexação das regiões ucranianas de Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Luhansk ao território russo, uma decisão que pode levar a guerra no Leste Europeu a um novo e perigoso patamar. No discurso, Putin afirmou que o Ocidente, que não reconhece as anexações, “está procurando uma nova forma de destruir a Rússia”, e disse estar pronto para negociações de um cessar-fogo com Kiev, mas sem abrir mão das quatro regiões.

No discurso, no Salão de São Jorge do Grande Palácio do Kremlin, Putin alegou que a decisão segue o princípio da autodeterminação dos povos, contido na Carta das Nações Unidas, e que atendeu aos anseios dos povos das quatro regiões, citando “laços históricos” e um “destino em comum”. Segundo Putin, as populações de origem russa eram reprimidas por falarem seu próprio idioma, mas agora garantirá sua segurança “com todos os meios disponíveis”, uma ameaça que recentemente tem sido associada ao seu arsenal nuclear.

Repito: este é um direito inalienável do povo, baseia-se na unidade histórica, em nome da qual venceram as gerações de nossos ancestrais, aqueles que desde as origens da Rússia Antiga durante séculos criaram e defenderam a Rússia — disse o presidente.

Após pedir um minuto de silêncio pelos “mártires” que morreram na guerra, Putin se dirigiu ao governo ucraniano, repetidamente chamado de “neonazista” por ele, se dizendo “pronto” para conversar sobre um acordo de cessar-fogo, mas sem abrir mão dos novos territórios ou da Crimeia, anexada em 2014.

Chamamos Kiev para negociar, mas não vamos discutir o desejo das pessoas, isso já foi decidido, a Rússia não vai trair as pessoas — disse Putin. Kiev já afirmou que não aceita fazer qualquer tipo de concessão territorial.

Em uma de suas muitas referências históricas, chamou o colapso da União Soviética de “catástrofe nacional”, e afirmou que o fim do bloco não levou em consideração “a vontade dos cidadãos comuns”.

E as pessoas de repente se viram isoladas de sua pátria. Isso rasgou, desmembrou a comunidade do nosso povo, se transformou em uma catástrofe nacional — disse Putin, reiterando que não deseja o retorno da União Soviética. — A União Soviética desapareceu, o passado não pode ser trazido de volta, e a Rússia não tem necessidade disso hoje em dia, não queremos isso.

Boa parte do discurso foi dedicada a ataques ao Ocidente: Putin afirmou que os governos ocidentais “desejam ver a Rússia como uma colônia”, comparou o que chama de russofobia ao racismo e que o “mundo unipolar construído pelo Ocidente é antidemocrático”. Ele afirmou que protegerá a cultura russa diante do que chama de “ameaças ocidentais”, e acusou países europeus e os EUA de usarem a “escravização ao invés da democracia”.

Putin destinou ainda ataques aos EUA, afirmando que Washington está “levando à desindustrialização e à destruição da infraestrutura energética” da Europa, uma referência à pressão americana por medidas mais duras contra o setor de energia russo, incluindo um embargo ao petróleo e ao gás.

Ao rebater as acusações ocidentais de que estaria pensando em usar armas nucleares, mencionou que Washington atacou as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, com bombas atômicas. E em um dos momentos mais questionáveis do discurso, passou a atacar a “decadência ocidental”, afirmando que o mundo estpa testemunhando “um satanismo desenfreado”, e perguntando se as pessoas querem que “operações de mudança de sexo sejam oferecidas a seus filhos”.

Queremos que nossa Rússia não seja mais como é hoje? Que nossos filhos sejam pervertidos, que lhes digam que além de homens e mulheres existem outros gêneros? Tal negação do ser humano se assemelha ao satanismo aberto — disse Putin. — A verdade está conosco. A Rússia está conosco.

Na plateia não havia representantes de governos estrangeiros, apenas políticos russos, como o vice-presidente do Conselho de Segurança local, Dmitri Medvedev, além dos líderes instaurados pelo Kremlin nas quatro regiões anexadas: Denis Pushilin. de Donetsk, Leonid Pasechnik, de Luhansk, Evgeny Balitsky, de Zaporíjia, e Vladimir Saldo, de Kherson.

Os acordos foram assinados após a realização de referendos organizados pelo Kremlin através de seus aliados regionais nas quatro regiões, incluindo em locais onde há confrontos entre as forças russas e ucranianas, entre 23 e 27 de setembro. Nos primeiros momentos da votação, fiscais, acompanhados por soldados, chegaram a levar as urnas para as casas dos moradores da região, no que foi visto como uma forma de intimidação.

Ao final, a anexação foi aprovada nas quatro regiões com ampla maioria, mas os resultados e o processo foram considerados fraudulentos por governos ocidentais, e não foram reconhecidos por nenhum governo, incluindo aliados da Rússia, como a China. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou, logo depois da divulgação dos números, que “os resultados já eram conhecidos de forma antecipada”, e que os “números combinados previamente para esta farsa foram jogados na imprensa”.

Horas antes da cerimônia, o governo russo emitiu um decreto reconhecendo a independência dos territórios de Zaporíjia e Kherson, repetindo uma medida adotada em fevereiro com as autointituladas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk. No texto, o Kremlin usa como argumentos o ” direito à autodeterminação dos povos” e chega a citar a Carta das Nações Unidas.

Depois disso, veio a assinatura dos quatro acordos por Putin, confirmando um expediente “criado” em 2014, quando a Crimeia foi anexada pelos russos, um movimento que, assim como os desta sexta-feira, não conta com respaldo internacional. Agora, os documentos serão analisados pelo Tribunal Constitucional, pela Duma (Câmara baixa) e pelo Conselho da Federação (Câmara alta) já na segunda-feira e, como praticamente todas as propostas enviadas pelo Kremlin ao Legislativo, devem ser aprovados sem sobressaltos e incorporados à Constituição rapidamente.

O Conselho da Federação aprova essas leis, o presidente assina. Uma mudança correspondente é feita na Constituição — resumiu o deputado Oleg Morozov (Rússia Unida) à RIA.

Enquanto Putin assinava as anexações, as forças ucranianas realizavam avanços contra posições russas: em Lyman, um ponto estratégico por sua proximidade de linhas férreas, os militares da Rússia estão quase isolados, e perto de perderem o contato com linhas de suprimentos. A cidade foi ocupada em maio, mas sua retomada por Kiev é considerada praticamente certa, e que pode acontecer já nos próximos dias.

Na região de Kharkiv, Kupyansk, que serviu como uma das bases russas na área, os ucranianos já controlam boa parte da cidade — a iminente vitória é um dos símbolos do sucesso de Kiev em sua contraofensiva, iniciada em meados de agosto e que vem provocand estragos nas linhas da Rússia.

[Kupyansk] é um importante centro ferroviário que se conecta com a região de Luhansk e, depois, com a rede ferroviária russa — declarou à AFP o novo chefe da administração militar ucraniana, Andrii Kanashevich. — Para eles [russos], era importante controlar a cidade.

Reprodução: https://extra.globo.com/noticias/mundo/ao-assinar-anexacoes-putin-diz-estar-pronto-para-negociar-com-kiev-mas-sem-abrir-mao-de-territorios-25581227.html

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